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NOVELLAS EXTRAORDINARIAS

solicita a entrada do meu quarto; sim, é isso, e nada mais.» Então senti o espirito um pouco fortalecido, e sem hesitar mais tempo:

— Senhor, digo eu, ou senhora, tende a bondade de perdoar-me. Estava meio adormecido e bateste tão devagarinho que apenas tenho a consciencia de vos ter ouvido.

Assim dizendo, abri a porta de par em par, mas vi só trevas e nada mais!

E a prescrutal-as profundamente, fiquei muito tempo cheio de espanto, de receio e de duvida, fazendo sonhos que mortal algum jámais ousou sonhar; mas nada perturbou o silencio e a immobilidade das trevas, senão um nome proferido por mim : «Leonor!» e o echo murmurando a seu turno «Leonor!» Só isto e nada mais!

Tornando a entrar no quarto, com a alma em fogo, ouvi um ruido algum tanto mais forte que o primeiro. "Ha por força alguma cousa de extraordinario nas taboinhas da minha janella; vamos a vêr o que é, exploremos este mysterio. Provavelmente, é o vento, e nada mais!"

Abri então a janella, e um corvo majestoso, digno dos antigos tempos, entrou pelo quarto a dentro, com um bater de azas tumultuoso. Sem me fazer uma simples cortezia, adeantou-se com a importancia de um lord ou de uma lady, e empoleirou-se n'um busto de Pallas, collocado justamente por cima da porta do meu quarto.

A gravidade do seu aspecto e a severidade da sua physionomia fizeram sorrir a minha triste imaginaçào:

— Embora tua cabeça, disse-lhe-eu, não tenha pôpa nem cimeira, não és por certo um passaro ordinario. Dize-me qual o teu nome senhorial nas costas da noite plutonica?