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NOVELLAS EXTRAORDINARIAS

directa da minha aversão por elle. Seria difficil descrever a pertinacia com que me perseguia. Se me sentava, enroscava-se debaixo da minha cadeira ou saltava-me para cima dos joelhos, prodigalisando-me as suas detestaveis caricias; se me levantava, mettia-se-me pelo meio das pernas, a ponto de quasi me deitar no chão, ou trepava por mim acima, enterrando-me no fato as garras compridas e agudas. N'aquelles momentos o meu desejo era matal-o; e não era só a lembrança do primeiro crime que me impedia de o fazer, mas sim, deva confessal-o, o verdadeiro terror que o animal começava a inspirar-me.

Aquelle terror não era positivamente o receio de um mal physico; comtudo, não saberia definil-o d'outro modo. Quasi tenho vergonha de dizer que o tédio e o horror que me inspirava o animal, augmentára por causa da chimera mais completa que se pode imaginar. Minha mulher tinha-me, mais de uma vez, chamado a attenção para a mancha branca, que constituia a unica differença apparente entre aquelle bicho extraordinario e o que eu tinha matado. O leitor lembra-se, sem duvida, de que a tal mancha, posto que grande, não tinha ao principio forma definida; mas lentamente, a pouco e pouco, por graus imperceptiveis, que o meu raciocinio se esforçava em vão por considerar imaginarios, tinha chegado a tomar uma nitidez de contornos rigorosa. Era agora, perfeitamente definida, a imagem de um objecto que temo de nomear; a imagem de uma cousa sinistra, medonha: era a imagem da forca! Oh! lugubre e terrivel machina! machina de horror e de crime, de agonia e de morte! E era precisamente aquillo que me fizera crear pelo monstro um tédio e um horror inexprimiveis e que me teria levado a dar cabo d'elle, se não tivesse medo.