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Página:Novellas extraordinarias.pdf/337

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modo hysterico. Cantavamos as doidas cantigas de Anacreonte e bebiamos copiosamente, posto que a côr purpurea do vinho nos lembrasse a côr purpurea do sangue.

Comtudo, havia no centro um oitavo personagem, o joven Zoilo, morto, estendido ao comprido amortalhado, que era o genio e demonio da scena. O seu rosto convulsionado pelo mal, e os olhos, nos quaes a morte tinha apenas extinguido metade do fogo da peste, pareciam interessar-se pela alegria dos que devem morrer. Posto que eu, Oinos, sentisse os olhos do defuncto cravados em mim, esforçava-me comtudo por não lhes entender a amarga expressão, desviando o olhar para as profundezas do espelho de ébano e cantando em voz alta e sonora as cantigas do poeta de Teos.

Mas gradualemente o meu canto cessou. Os echos ribombando ao longe, por entre os reposteiros negros do aposento, foram diminuindo, perdendo a clareza, até que se desvaneceram. E eis que de repente, do fundo d'esses reposteiros negros, onde ia morrer o ruido das canções, ergueu-se uma sombra escura, indefinida ( uma sombra semelhante á que a lua, quando vem baixa no céo, desenha do corpo de um homem), mas não era a sombra de um homem, nem a sombra de um deus, nem a de ser algum conhecido. E tremendo um instante por entre os reposteiros, apresentou-se, enfim, hirta, direita, na superficie da porta de bronze. Mas a sombra era vaga, informe, indefinida. Não era a sombra de um homem, nem a de um deus (nem a um deus da Grecia, nem a de um deus da Chaldeia, nem a de nenhum deus egypcio). E a sombra repousava sobre a grande porta de bronze, por baixo da cornija arqueada, sem se mover, sem pronunciar uma palavar, fixando-se cada vez mais. E os pés do joven Zoilo amortalhado estavam encostados á porta,