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O CORVO
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O ponto seguinte a considerar era o meio de pôr em communicação o amante e o corvo; o primeiro gráo d'esta questão era naturalmente o logar. Parece que a primeira idéa que devia apresentar-se n'este caso, era uma floresta ou uma planicie; mas, na minha opinião, para o effeito de um incidente isolado é absolutamente necessario um espaço estreito e limitado. Esta particularidade dá á scena a energia que um moldura accrescenta a uma pintura, e tem a incontestavel vantagem moral de concentrar a attenção n'um espaço pequeno, vantagem que, escusado é dizel-o, não deve confundir-se com a que se póde tirar da simples unidade de logar.

Resolvi pois collocar o amante no seu quarto — um quarto para elle sagrado pelas lembranças d'aquella que alli viveu — conforme as idéas que expliquei sobre a Belleza, como sendo a unica these verdadeira da Poesia; o quarto apparece-nos ricamente mobilado.

O logar assim determinado, era preciso agora introduzir o passaro, e a idéa de o fazer entrar pela janella era inevitavel.

A idéa do amante suppôr, primeiro, que o esvoaçar do passaro de encontro á janella é uma pancada na porta, nasceu do meu desejo de augmentar, pela espera, a curiosidade do leitor, e tambem de introduizir o effeito incidental da porta aberta de par em par pelo amante, que não acha senão trevas e que, desde então, pode adoptar, em parte, a idéa phantastica de que é o espirito da sua amante que veiu bater-lhe a porta.

Fiz a noite tempestuosa, primeiro para explicar a circumstancia d'este corvo procurando hospitalidade, depois para crear o effeito do contraste, com a tranquillidade material do quarto.

Do mesmo modo, fiz pousar o passaro sobre o busto de Pallas, para crear o contraste entre o marmore e a