Página:O Barao de Lavos (1908).djvu/112

Wikisource, a biblioteca livre

O rapaz, que era um producto accidental de luxuria clandestina, amoldára-se facilmente, com toda a pastosidade do seu caracter de lama, ao modo de vida que as circumstancias lhe haviam propiciado. Norteava-lhe o desejo um fim unico: o bem-estar, o prazer, alcançado não importa como, e ainda á custa das maiores baixezas.

Logo na segunda entrevista com o barão, contára-lhe a sua vida, sem mentir, singela- mente. — Engeitado. Nascera em Aveiro, dos amores dum militar com uma freira. Aos 10 annos saíra da Misericórdia para casa d’um armador, como serviçal. Passara os seus peccados ! A rudeza do trabalho marítimo não quadrava ao seu feitio delicado e molle. Retalhava-lhe a pelle o vento cortante da ria; o esforço do corpo aos remos abria-lhe o peito; a manobra dos cabos callejava-lhe as mãos. Uma faina do inferno aquillo ! Não podia... Duma occasião, roubou ao patrão doze libras e fugiu para Lisboa. E — agôra o vereis! — emquanto lhe tiniu metal na algibeira, laureou que foi um regalo. Boa mesa, bôa pinga e bôas pequenas. Ia vendo a cidade, hoje num bairro, noutro amanhã, comendo onde calhava, dormindo nos vãos das portas, pelos patamares das escadas, e mesmo, se a policia o deixava, — gostava tanto ! — sobre os bancos dos passeios. Houve um tempo em que ia ficar quasi sempre á travessa da Cara com uma rapariguita branca, de rosêtas na face e uma grande costura no pescoço, que gostava muito d’elle. Mas aborreceu-se depressa. Desde uma noite, em que lhe deu comum emplastro no peito, por causa da tosse, nunca mais lá tornou.