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Página:O Barao de Lavos (1908).djvu/124

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Uma peça a cuja representação assistira na vespera, com sua mulher, no Gymnasio, era um original. Ficára de dar a critica para a Gazeta. Como n’este dia não houvéra jornal, o artigo ia de molde para o dia seguinte. Encaminhou-se á redacção, — rua dos Mouros, — um pouco para fazer horas, um pouco para escrever a apreciação da peça.

Subiu com segurança a escada, que mergulhava inteira na sombra e sobre cujos degraus, glutinosos da immundicie, cambados e gastos, os pés não faziam ruido, assentavam brando, escorregavam. Um longo corredor á direita, verdoento, esmadrigado, humido, as paredes dançando em tortuosidades de ébrio. Dois grandes rectangulos de luz avermelhada listravam transversalmente o soalho e marinhavam té meia altura pela parede opposta. Eram: a porta da administração, um cacifo negro, empilhado de papel em rama, onde um sujeito calvo, bigode e pêra grisalhos, cachimbo de raiz, — typo achacoso e duro de major reformado, — escrevinhava; depois a da typographia, brasido immumdo que vaporava um bafo de fôrno humano, nauseativo e calido, e em cuja atmosphera grossa, rubra, asphyxiante, homens de blusa, com o olhar soffredor, pallidos, tressuando, tinham uma gymnastica veloz e cabalistica de dedos sobre os caixotins. Ao fundo a redacção: pequena sala de teclo do madeira apainelada, esconjunctado e baixo, a cola da velha pintura branca descamada e pendendo em stalactites que as moscas pontilhavam d’uma renda escura, a modo de baldaquinos, graciosamente; o papel azul e branco das paredes despegado dos frisos, esfarfado, rôto, zebrado de gottejamen-