Página:O Barao de Lavos (1908).djvu/127

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lettra, de ordinario, na febre da improvisação, rasgada e direita, saia-lhe garatujada, desegual, torcida. A penna emperrava no papel. As entrelinhas e as emendas multiplicavam-se. Escrevia devagar, com um esforço e uma difficuldade inusitada. Não lhe acudiam os termos. O seu grande poder habitual de concretisar, de vestir qualquer assumpto com rapidez e propriedade, n’um estylo corrido, elegante, largo, atraiçoava-o. O collega da cabeceira, -que lhe conhecia a espontaneidade e o via a escrever ha tanto tempo, disse-lhe:

— Ó barão, não se alargue. Ha hoje uma correspondencia enorme, de Setubal.

Ao que o barão:

— Hoje não vou p’ra longe, descance.

Entrou n’este momento um homem de figura insinuante e luminosa, — estatura mediana; hombros largos; grandes olhos castanhos faulando na sombra d’umas palpebras vibrateis, repregadas como azas, longas; o chapeu para a nuca; a face d’esta cor macerada e nobre que é feita da consumpção mordente das vigilias, e forma o prestigio e o encanto dos homens de talento; um cigarro pendente do labio ironico e frio; o alongamento da barba accusando a fibra da tenacidade; uma farripa do cabello corredio perdida sobre a testa poderosa, escantoada. Vestia com desalinho: jaquetão largo, cinzento, d’uma casimira barata; colete e calça da mesma, com a camisa a saír de permeio; a gravata n’um simples nó pelo peito abaixo, estiraçada; o calçado grosso, ruco, orographado de engelhas. Apenas o viu, exclamou, esmoendo o ultimo bôlo, o jornalista que occupava o topo da mesa: