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Página:O Barao de Lavos (1908).djvu/54

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rosa, vincara-se, empanara-se, contraíra-se no engelhamento lívido de um pergaminho velho. As lágrimas gemiam gota a gota, como de um filtro, de cada aproximação das longas pestanas, que palhetazinhas de ouro incrustavam, microscópicas. E as mãos enrodilhavam e retesavam nervosamente o pequenino lenço de esguião e rendas, preso por uma das pontas entre os dentes raivosos.

Desprezada, humilhada! — ela, cuja suprema ambição, cujo mais almo prazer, cujo mais fervoroso anseio era amar, adorar, dedicar-se, para ser por igual amada, adorada e servida num exclusivismo sagrado e ardente de mutuação perfeita... — Que alma ingénua! Como esta certeza fulminante vergastava cruel o seu modo feminino de sentir as coisas!

Esquecia-lhe mesmo entrar em linha de conta, na liquidação do ultraje, com o ativo não pequeno das suas provocações. Não considerava que o barão, conciliador, paciente, afável, se empenhara bastante em conjurar a borrasca, pelo seu caprichozinho azedo armada, e resolvida em próprio prejuízo. — Insultada, humilhada! — não queria saber de mais.

Na sua frente, sobre a mesma mesinha baixa de charão, ficara aberto, da véspera, o romance lido com tanto ardor. A baronesa deu de acaso com os olhos nele; e então, confusamente, numa teimosia obscura de confronto, por um destes desvios absurdos, mas triviais, nos espíritos pouco reflexivos, começou a achar analogias entre a sua ridícula cena com o marido e aquele episódio sangrante de adultério... Aí havia por força uma tragédia latente. Iam no prólogo. Vinha encastelando-se a borrasca.