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Página:O Barao de Lavos (1908).djvu/55

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Impossível harmonizarem-se... jogavam falso. — E um tirano. Não me compreende...

— Se ele já me não ama!? — pensou a meia voz, aterrada, num rodilhão de ciúme, enquanto os olhos se lhe secavam, muito abertos, a boca se lhe descerrava num pânico, e as mãos lhe caíam sobre o regaço, com o lenço esfrangalhado entre os dedos finos.

Mas foi o sonho de um instante... Breve, uma confiança grande no marido, uma confiança ainda maior na própria juventude, acordaram-lhe um rebate de honra íntimo, chamaram-na à realidade. Clareou então um bom sorriso altivo no marfim do rosto macerado, e aos olhos, vivos como um chilreio de aves, afluíram de novo as lágrimas, agora pulverizadas, cristalinas, doces como um aguaceiro peneirado de sol, na Primavera.

Entrou neste momento a curiosa da Doroleia — de saia de alpaca preta com folho na barra, véstia de briche, cabeçãozinho de renda, cuia enorme de retrós assentando nas costas, e toda impante de curiosidade velhaca no olho pequenino e redondo, na boca rasgada de orelha a orelha, no queixo em arpéu, no nariz esborrachado — a perguntar:

— A senhora baronesa chamou?
— Eu não, mulher — respondeu a baronesa, contrariada e enxugando a furto os olhos, secamente. — Até me pôs medo!
— Queira desculpar, pareceu-me... — arriscou, toda untuosa, a matreira, baixando o olhar e correndo os dedos da mão direita pela orla do avental, num afago de disfarce, enquanto debruçava o raio visual das pálpebras, a apreender, a saborear o escândalo.