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I — O BARÃO DE LAVOS
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architectural pombalino. O ar estava lavado, clemente, doce, bondoso e humido como um sorriso. Na lisa fluidez do céu, onde raro vogavam os ultimos algodoamentos da chuva da noite, sentia-se correr, luminoso e breve como um bater de azas brancas, o arranque da Natureza que acordava. A mesma luz suavemente doirada, a mesma petulancia de seiva, a mesma communhão de vida acariciava os aspetos cambiantes da rua: a blusa d'um cocheiro que fumava a um portal, a canastra d'uma peixeira que, de rins quebrados e braços erguidos, falava para um 3.° andar, a chapa do bonnet d'um carteiro, o tejadilho d'um trem, os letreiros d'uma carroça, a barba d'um mendigo.

Um rejuvenescimento brincava na aragem. Via-se o beijo da Primavera no brilho estimulado das coisas. — Oh! fazia bem quem se chegava á janella em dias como este... A vida era deliciosa... Embriagava como as plantas dos tropicos... A questão estava em saber colher-lhe a flôr a tempo! — E a baronesita, perturbada, alucinada um tantinho, vencida d'um deliquio molle, com um desmaio de volupia a molhar-lhe as palpebras amortecidas, phantasiou que via tambem, subindo e crescendo para ella na sombra da rua, um belo Rodolpho de jaquetão de velludo preto, bota de vitella té ao joelho e calção de malha branca, montado n'um soberbo cavallo negro e trazendo outro pela mão, em que ella ia montar, egualmente negro, com um sellim de pelle de gamo, e na testeira graciosamente postos dois topes cor-de-rosa.

Entretanto, o barão tinha entrado no Gremio e sentára-se a lêr jornaes; mas, no grau de