Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/119

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dos vales; e só pensava então na doçura infinita de lhe dar um beijo na brancura do pescoço, ou mordicar-lhe a orelhinha.

Às vezes revoltava-se contra estes desfalecimentos, batia o pé:

— Que diabo, é necessário ter juízo! É necessário ser homem!

Descia, ia folhear o seu Breviário; mas a voz de Amélia falava em cima, o tique-tique das suas botinas batia o soalho... Adeus! a devoção caia como uma vela a que falta o vento; as boas resoluções fugiam, e lá voltavam as tentações em bando a apoderar-se do seu cérebro, frementes, arrulhando, roçando-se umas pelas outras como um bando de pombas que recolhem ao pombal. Ficava todo subjugado, sofria. E lamentava então a sua liberdade perdida: como desejaria não a ver, estar longe de Leiria, numa aldeia solitária, entre gente pacífica, com uma criada velha cheia de provérbios e de economia, e passear pela sua horta quando as alfaces verdejam e os galos cacarejam ao sol! Mas Amélia, de cima, chamava-o — e o encanto recomeçava, mais penetrante.

A hora do jantar, sobretudo, era a sua hora perigosa e feliz, a melhor do dia. A S. Joaneira trinchava, enquanto Amaro conversava cuspindo os caroços das azeitonas na palma da mão e enfileirando-os sobre a toalha. A Ruça, cada dia mais ética, servia mal, sempre a tossir; Amélia às vezes erguia-se para ir buscar uma faca, um prato ao aparador. Amaro queria levantar-se logo, atencioso.

— Deixe-se estar, deixe-se estar, senhor pároco!