Página:O Dominio Publico no Direito Autoral Brasileiro.pdf/189

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rais e do patrimônio cultural brasileiro[1].

A análise dos conhecimentos étnicos e tradicionais é bastante complexa e ultrapassa os limites deste trabalho, uma vez que poderia ser, com folgas, objeto de tese própria. Ainda assim, a partir de nossas breves considerações, acreditamos que, como regra geral, as obras de autoria desconhecida devem ser consideradas em domínio público e concordamos, em boa parte, com as considerações apontadas acima por João Henrique da Rocha Fragoso, podendo sempre o Estado intervir em caso de abuso.

 

(b) direito a usar obra em domínio público e direitos conferidos pelo uso

Pelo art. 14 da LDA, “é titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio público, não podendo opor-se a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, salvo se for cópia da sua”.

A interpretação deste artigo nos leva a um efeito dúplice: primeiro, que as obras em domínio público podem ser livremente utilizadas, independentemente de autorização ou de pagamento pelo direito de usá-las[2]; segundo, que, se de referida utilização


    — as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV — as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V — os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1º — O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. § 2º — Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. § 3º — A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. § 4º — Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei. § 5º — Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos. § 6 º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I — despesas com pessoal e encargos sociais; II — serviço da dívida; III — qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos investimentos ou ações  apoiados.

  1. Para análise dos direitos culturais em nosso ordenamento jurídico, ver SOUZA, Allan Rocha de. Os direitos cul- turais e as obras audiovisuais cinematográficas: entre a proteção e o acesso. Tese apresentada ao programa de pós-graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2010.
  2. A lei autoral brasileira que vigorou até 1998 previa o instituto do domínio público remunerado em seu art. 93, que assim dispunha: “art. 93: A utilização, por qualquer forma ou processo que não seja livre, das obras intelectuais pertencentes ao domínio público depende de autorização do Conselho Nacional de Direito Autoral. Parágrafo único: Se a utilização visar a lucro, deverá ser recolhida ao Conselho Nacional de Direito Autoral importância correspondente a cinquenta por cento da que caberia ao autor da obra, salvo se se destinar a fins didáticos, caso em que essa percentagem se reduzirá a dez por cento”. Em comentário ao artigo — revogado pela lei 7.123 de setembro de 1983, José de Oliveira Ascensão afirma que “[o] domínio público remunerado é uma reivindicação das sociedades de autores. Pretendem elas, desta maneira, que a obra desprotegida não faça concorrência à obra protegida; que os utentes não se sintam tentados a recorrer a obras do domínio público para fugir ao pagamento dos direitos que gravam as obras protegidas. E, coerentemente, pretendem que as obras do domínio público sejam taxadas com o mesmo rigor que as outras”. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Cit.; p. 356. Mais adiante, ao analisar qual seria a natureza jurídica da cobrança em razão do domínio público remunerado, José de Oliveira Ascensão indaga: “[h]averia nestes casos uma extinção do direito de autor, ou o direito de autor passaria ao Conselho após o prazo de proteção em benefício ao criador? A admitir-se esta última posição a totalidade das faculdades compreensivas do direito de autor, salvo as personalíssimas, deveria ser adquirida pelo Conselho, pois só assim este poderia impor o respeito do direito ao nome, ou do direito à integridade da obra”. Segundo o autor, haveria um “exclusivo de utilização conferido ao Estado, em paralelo com as outras utilizações reservadas”. Sendo assim, muito difícil