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sua obra intelectual poderá ser editada, adaptada ou de qualquer outra forma utilizada com fins transformativos.

Já na segunda parte, é atribuída ao autor a faculdade de se opor a modificações que possam prejudicar sua obra ou atingi-lo, na qualidade de autor, em sua reputação ou honra. “‘Honra', no art. 24, IV, da LDA-98, é a honra subjetiva, o juízo de valor que o indivíduo faz de si próprio. ‘Reputação', por sua vez, é a honra objetiva, o juízo de valor que a sociedade faz do autor”[1].

O direito de assegurar a integridade da obra, pura e simplesmente, acaba quando é atingido o final do termo de proteção. Sendo uma das principais consequências do domínio público a possibilidade de se realizar usos transformativos em trabalhos alheios, impedir modificações em obras em domínio público seria o mesmo que inviabilizá-lo. “Nessa fase [no domínio público], o princípio básico é o de que qualquer interessado pode utilizar a obra, inclusive para derivações, passando a gozar dos direitos correspondentes sobre a respectiva forma (...)”[2]. Aqui, o direito moral é limitado pelo exercício das faculdades inerentes à utilização da obra em domínio público. Não há, portanto, um verdadeiro direito de personalidade e nada justifica sua perpetuidade.

Entretanto, a conclusão diversa se chega com a análise da segunda parte do inciso

IV. Assim como os direitos de personalidade não são absolutos (no sentido de se imporem a qualquer outro direito a eles contraposto), tampouco o domínio público poderá ser considerado um direito  absoluto.

Por isso, mesmo após a entrada da obra em domínio público, a honra e a reputação do autor devem remanescer resguardadas. Dessa forma, ainda que usos transformativos sejam legalmente autorizados, encontrarão limite nos direitos de personalidade do autor, preservados ainda que o prazo de proteção patrimonial sobre suas criações já tenha expirado.

Certa vez, discutiu-se na França se haveria violação dos direitos morais dos pintores Renoir e Toulouse-Lautrec o acréscimo de suas próprias assinaturas em obras de suas autorias, originariamente não assinadas. O tribunal entendeu não haver qualquer violação. Em primeiro lugar, porque claramente se tratava de reproduções. A seguir, porque não havia erro ou confusão por parte do consumidor. Finalmente, porque as obras eram atribuídas a seus autores legítimos[3].

Bem diferente, no entanto, é o caso da colorização do filme “Os Segredos das Joias”, de John Huston, originalmente filmado em preto e branco. Nesse caso, a corte francesa



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92 MORAES, Rodrigo. Os Direitos Morais do Autor — Repersonalizando o Direito Autoral. Cit.; p. 168. António Castán Pérez-Gómez aponta a dificuldade de determinar o quanto da personalidade do autor encontra-se na obra, ou seja, quais são os valores transmitidos por uma obra intelectual que identificam seu autor. Tal problema, segundo Pérez-Gómez, se agrava à medida que se retrocede no tempo, por conta das escassas (e pouco seguras) informações acerca de autores há muito desaparecidos. PÉREZ-GÓMEZ, Antonio Castán. Dominio Público, Derecho Moral y Derecho a la Personalidad Pretérita. Cit.; p. 226.

93 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Cit.; p. 112.

94 PÉREZ-GÓMEZ, Antonio Castán. Dominio Público, Derecho Moral y Derecho a la Personalidad Pretérita. Cit.; p. 230.