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ao Estado para efeitos de defesa, não da honra e reputação do autor, mas apenas da genuinidade e integridade da obra, enquanto valor cultural do domínio público.

 

Na França, o decreto 97.713, de 11 de junho de 1997, confere ao Ministro da Cultura a missão de “tornar acessível, ao maior número de pessoas, grandes obras da humanidade, e especialmente da França, assegurar o mais amplo acesso a nosso patrimônio cultural, promover a criação de obras de arte e do espírito e desenvolver as artes”[1].

Como se vê, a atribuição ao Ministério da Cultura da França é uma tarefa de promoção do patrimônio imaterial francês. O objetivo claro é evitar a perda, a deterioração ou o esquecimento de obras intelectuais[2].

No Brasil, o texto da LDA é lacônico, contentando-se em informar que compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra em domínio público[3]. Diante de tal texto, é necessário responder a algumas indagações: (i) qual o limite da defesa do domínio público pelo Estado, ou seja, que direitos devem ser defendidos?; (ii) quem, exatamente, tem legitimidade para defendê-los em juízo? e (iii) qual a medida adequada para assegurar a proteção aos direitos morais dos autores cujas obras estejam em domínio público?

Para respondermos à primeira indagação, é necessário retomarmos um ponto anterior. Já tivemos a oportunidade de ver acima que, expirado o prazo de proteção aos direitos patrimoniais, permanecem protegidos alguns dos direitos morais de autor, notadamente o direito à autoria e à paternidade da obra e o direito a manter a integridade desta, a depender do caso.

Em regra, a obra em domínio público pode ser livremente utilizada, independentemente de autorização ou licença de quem quer que seja. Assim, no âmbito de sua utilização encontra-se o direito de modificá-la. Apesar disso, em alguns casos bastante específicos esse direito sofrerá limitações. Imagine-se, por exemplo, a seguinte hipótese: após décadas fora de circulação comercial, uma obra em domínio público volta a ser editada. No entanto, a versão editada da obra é substancialmente diferente da obra original, com modificações no texto que chegam a comprometer sua integridade. Seria, nesse caso, atribuição do Estado exigir que o público fosse informado acerca das adaptações, diante do risco de a obra nova vir a substituir a obra antiga como se fosse original[4].


  1. 102
  2. 103
  3. 104
  4. 105

102 Tradução livre do autor. No original, lê-se que: art. 1er — Le ministre de la culture et de la communication, porte-parole du Gouvernement a pour mission de rendre accessibles au plus grand nombre les oeuvres capitales de l'humanité, et d'abord de la France, d'assurer la plus vaste audience à notre patrimoine culturel, de favoriser la création des oeuvres de l'art et de l'esprit et de développer les pratiques artistiques.

103 CHOISY, Stéphanie. Le Domaine Public en Droit d'Auteur. Cit.; p. 34.

104 Na França, a competência é dos herdeiros, nos termos do CPI, art. L121-1

105 CHOISY, Stéphanie. Le Domaine Public en Droit d'Auteur. Cit.; p. 37. Algumas práticas recentes podem nos fazer pensar. Um caso peculiar foi noticiado pelo jornal Folha de São Paulo, em seu suplemento “Ilustrada”, nos dias 07 e 08 de janeiro de 2011. Espera-se para fevereiro de 2011 uma edição de “As Aventuras de Huckleberry Finn”, do escritor Mark Twain (1835-1910), publicada pela NewSouth Books, na qual a palavra “nigger” (algo como “crioulo”), que aparece 219 ao longo do texto, é substituída por “slave” (“escravo”). A modificação foi sugerida pelo professor de literatura Alan Gribben, que alegava não se sentir à vontade para pronunciar a palavra “nigger” em sala de aula. Ocorre