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da qual os cientistas sociais fazem grande uso para diferençar e classificar as suas teorias, não resta dúvida de que, no estudo do direito em geral (de que se ocupa a teoria geral do direito), nesses últimos cinquenta anos, a primeira abordagem prevaleceu sobre a segunda”[1]. Um claro exemplo dessa prevalência é a teoria pura do direito, de Kelsen, que se inicia propondo responder à questão “o que é e como é o Direito”[2]?

A constatação acima, de Norberto Bobbio, nos leva à inevitável conclusão de que “aqueles que se dedicaram à teoria geral do direito se preocuparam muito mais em saber ‘como o direito é feito' do que ‘para que o direito serve'”[3].

Ocorre que a “função do direito na sociedade não é mais servir a um determinado fim (onde a abordagem funcionalista do direito resume-se, em geral, a individualizar qual é o fim específico do direito), mas a de ser um instrumento útil para atingir os mais variados fins”[4]. Bobbio prossegue afirmando que definir quais são “afinal, esses fins, é algo que varia de uma sociedade para outra: trata-se de um problema histórico que, como tal, não interessa à teoria [kelseniana] do direito”. E prossegue[5]:

 

A função de um ordenamento jurídico não é somente controlar os comportamentos dos indivíduos, o que pode ser obtido por meio da técnica das sanções negativas, mas também direcionar os comportamentos para certos objetivos preestabelecidos. Isso pode ser obtido, preferivelmente, por meio da técnica das sanções positivas e dos incentivos. (...) Creio, portanto, que hoje seja mais correto definir o direito, do ponto de vista funcional, como forma de controle e de direção social.

 

O momento atual é de “revalorização do interesse nos institutos e nas situações subjetivas, [o que] constitui a perspectiva mais natural para rever criticamente a excessiva consideração reservada ao perfil estrutural — que, frequentemente, é o critério



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apropriardes de tudo que na subsistência comum vai além da vossa?” ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. São Paulo: Martin Claret, 2009, p. 72.

237 BOBBIO, Norberto. Da Estrutura à Função. Barueri: Manole, 2007; p. 53.

238 “Como teoria, quer única e exclusivamente conhecer o seu próprio objeto. Procura responder a esta questão: o que é e como é o Direito? Mas já não lhe importa a questão de saber como deve ser o Direito, ou como deve ser feito. É ciência jurídica e não política do Direito”. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006; p. 1.

239 BOBBIO, Norberto. Da Estrutura à Função. Cit.; p. 53. Bobbio apresenta uma síntese das distinções ideológicas entre Herbert Hart e Hans Kelsen. O primeiro desenvolve uma teoria em que estrutura e função aparecem estreitamente ligadas. Já “[n]a obra de Kelsen, não só a análise funcional e estrutural estão declaradamente separadas, como esta separação é a base teórica sobre a qual ele funda a exclusão da primeira em favor da segunda. Como todos sabem, para o fundador da teoria pura do direito, uma teoria científica do direito não deve se ocupar da função do direito, mas tão-somente dos seus elementos estruturais. A análise funcional é confiada aos sociólogos e, talvez, aos filósofos. O movimento em direção ao estudo da estrutura do ordenamento jurídico foi favorecido por uma rígida divisão do trabalho entre juristas (que observam o direito a partir de seu interior) e sociólogos (que o observam a partir do seu exterior). A distinção hartiana entre ponto de vista externo e interno, que dá tanto pano para a manga aos seus intérpretes, pode ser considerada como uma justificação daquela divisão do trabalho entre sociólogos e juristas, que em Kelsen, ao contrário, fundava-se sobre o dualismo entre esfera do ser e do dever ser, entre leis naturais e normas jurídicas, entre relação de causalidade e de imputação. Que a teoria pura do direito se ocupe da estrutura, e não da função do direito, é algo que Kelsen declara explicitamente em inúmeras ocasiões”. BOBBIO, Norberto. Da Estrutura à Função. Cit.; pp. 54-55.

240 BOBBIO, Norberto. Da Estrutura à Função. Cit.; p. 55.

241 Grife no original. BOBBIO, Norberto. Da Estrutura à Função. Cit.; p. 79.