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De modo a permitir que o direito autoral cumpra com sua função, algumas práticas são mencionadas. Entre outras, podemos citar a “desapropriação” de obra intelectual[1], a licença compulsória[2] e a definição e o uso de obras órfãs[3], todas relacionadas, portanto, à função social dos direitos autorais.


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252 O instituto da desapropriação é típico do direito administrativo. De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, “[d]esapropriação é o procedimento de direito público pelo qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública ou de interesse social, normalmente mediante o pagamento de indenização” (grifo do autor). CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Cit., p. 626. José dos Santos Carvalho Filho prossegue com o tema, ao informar: “[c]omo regra, a desapropriação pode ter por objeto qualquer bem móvel ou imóvel dotado de valoração patrimonial. É com esse teor que se pauta o art. 2º do Decreto-Lei n. 3.365/41, no qual se encontra consignado que ‘todos os bens podem ser desapropriados' pelas entidades da federação. Deve-se, por conseguinte, incluir nessa expressão os bens móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos. Em razão dessa amplitude, são também desapropriáveis ações, cotas ou direitos relativos ao capital de pessoas jurídicas”. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Cit., p. 630 (grifos' do autor). Como limites à possibilidade de desapropriação de bens, o autor conclui: “[h]á, entretanto, algumas situações que tornam impossível a desapropriação. Pode-se agrupar tais situações em duas categorias: as impossibi-' lidades jurídicas e as impossibilidades materiais. Impossibilidades jurídicas são aquelas que se referem a bens que a própria lei considere insuscetíveis de determinado tipo de desapropriação. Como exemplo, temos a propriedade produtiva, que não pode ser objeto de desapropriação para fins de reforma agrária, como emana do art. 185, II, da CF (embora possa sê-lo para desapropriação de outra natureza). Entendemos que aí também se situa a hipótese de desapropriação, por um Estado, de bens particulares situados em outro Estado; a desapropriação é poder jurídico que está associado ao fator território, de modo que permitir esse tipo de desapropriação implicaria vulneração da autonomia estadual sobre a extensão de seu território. De outro lado, impossibilidades materiais são aquelas pelas quais alguns bens, por sua própria natureza, se tornam inviáveis de ser desapropriados. São exemplos dessas impossibilidades a moeda corrente, porque é ela o próprio meio em que se materializa a indenização; os direitos personalíssimos, como a honra, a liberdade, a cidadania; e as pessoas físicas ou jurídicas, porque são sujeitos, e não objetos, de direito”. (grifos do autor). CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Cit., pp. 630-631. Tal teoria somente poderá ser encampada por aqueles que defendem ser o direito autoral objeto de propriedade. Conforme já esclarecemos no primeiro capítulo, não partilhamos de tal entendimento. Por isso, acreditamos que a desapropriação de direitos autorais se enquadre entre as impossibilidades jurídicas (pois que não se poderia desapropriar algo que não constitui propriedade). Por outro lado, Eliane Abrão (ABRÃO, Eliane Y.. Direitos de Autor e Direitos Conexos. Cit.; p. 143) entende ser possível a desapropriação de obras protegidas por direitos autorais. De toda sorte, ainda que se advogue tal possibilidade, a desapropriação, se consumada, não acarretaria o ingresso da obra em domínio público, mas tão-somente a perda da propriedade por parte de seu titular.

253 A licença compulsória é instituto típico das patentes e encontra previsão legislativa entre os arts. 68 e 74 da Lei de Propriedade Industrial. Prevê o art. 78 que “o titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial”. Além disso, o §1º do referido artigo estipula dois outros casos de licenciamento compulsório de patentes. O primeiro é “a não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de uso integral do processo patenteado, ressalvados os casos de inviabilidade econômica, quando será admitida a importação” e o segundo, “a comercialização que não satisfizer às necessidades do mercado”. A LDA não prevê o mecanismo de licença compulsória para obras protegidas por direitos autorais. Ainda assim, a possibilidade existe por conta do Anexo à Convenção de Berna (a partir especialmente de seus arts. 2º e 3º), que autoriza países em desenvolvimento a, por meio de licenças compulsórias, traduzir ou reproduzir obras protegidas por direitos autorais desde que observadas determinadas condições. Em que pese a dificuldade (muito por conta de minudência de referidos dispositivos) de implementação das licenças compulsórias no âmbito do direito autoral, a faculdade é juridicamente possível. Ainda assim, mesmo que seja efetivamente aplicada, não podemos considerar que tal licença tenha por consequência o ingresso da obra em domínio público nem que antecipe seus efeitos. Continua a obra a ser protegida nos termos da lei, seu titular goza de direitos patrimoniais e a licença pública, nesse particular, não passa de uma forma de limitação temporária aos direitos do autor.

254 Eduardo Lycurgo Leite analisou o problema das obras órfãs a partir da proposta norte-americana de sua regulamentação. Afirma o autor, a respeito da definição de obra órfã: “[e]m que pese o Copyright Office ter afirmado que o termo obras órfãs referia-se à categoria de obras cujo ‘criador' não é conhecido ou possa ser encontrado, a