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domínio público um instituto que atenda aos ditames previstos em nossa Constituição Federal. Se o domínio público serve para alguma coisa, é certamente para garantir acesso irrestrito a determinada categoria de obras intelectuais, de modo a ampliar as possibilidades de educação, de acesso à cultura, ao conhecimento, estimular a criação e a liberdade de expressão e movimentar a economia da cultura e do entretenimento.

Em reflexão acerca do domínio público canadense, Carys J. Craig, afirma que “precisamos de um domínio público que reflita e proteja o processo dialógico da cultura em face das estruturas cada vez mais restritivas da propriedade intelectual”[1]. Lamentavelmente, o tom do autor é de desencanto, reflexo de um mundo cada vez mais dominado pela busca da proteção[2].

Esse “processo dialógico da cultura” pode ser expresso em diversas formas. Tomando-se por ponto de partida os ensinamentos de Norberto Bobbio e de Pietro Perlingieri, a compreensão da função social do domínio público deve ser buscada dentro de um sistema de direito Civil-Constitucional, não se esquecendo da importância da dignidade da pessoa humana e das situações subjetivas integrantes do ordenamento jurídico brasileiro.

A esse respeito, cabe mencionar que a importância das situações subjetivas (e sua preeminência sobre as situações patrimoniais[3]) se afirma bastante clara quando tratamos do domínio público no direito autoral. Afinal, não existe mais, quanto às obras em domínio público, um aspecto patrimonial a ser protegido em si mesmo — uma vez que os direitos patrimoniais do autor já se esgotaram. Por isso, a função social do domínio público se realiza, sobretudo, a partir da proteção aos aspectos existenciais daqueles que



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257 Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “[w]e need a public domain that reflects and protects the dialog- ic processes of culture in the face of increasingly restrictive intellectual property structures”. CRAIG, Carys J.. The Canadian Public Domain: What, Where and to What End?. Disponível em http://papers.ssrn.com/sol3/papers. cfm?abstract_id=1567711. Acesso em 17 de julho de 2010.

258 E prossegue: “[n]o Canadá, o lamento ficou fraco e distante — até agora. Tipicamente, referências ao domínio público na jurisprudência canadense têm sido raras e pouco inspiradas, e a percepção dominante é de que o domínio público não é mais do que o resto da propriedade intelectual — os farelos remanescentes uma vez que o apetite foi satisfeito. Teresa Scassa está correta ao observar que, constituído e construído apenas na negativa, o domínio público canadense é uma ‘coisa frágil' cujo escopo pode ser expandido ou diminuído tanto por ato legislativo quanto por interpretação judicial. Talvez nossa complacência nesse sentido reflita a ausência de qualquer mudança radical na forma ou na substância de nossa lei de direitos autorais desde 1924. Sendo assim, o tempo para a complacência acabou e a mobilização deve começar: com reforma dos direitos autorais nos ameaçando e a agenda expansionista dominando o discurso político, o Canadá precisa desesperadamente de um resultado positivo com o domínio público”. Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “[i]n Canada, the cry has remained faint and distant — until now. Typically, references to the public domain in Canadian jurisprudence have been rare and uninspired, and the prevailing assumption is that the public domain is no more than intellectual property's leftovers — the crumbs that remain once its appetite is satisfied. Teresa Scassa is right to observe that, thus constituted and constructed only in the negative, Canada's public domain is ‘a fragile thing' whose scope can be expanded or shrunk by either legislative enactment or judicial interpretation. Perhaps our complacency in this regard reflects the absence of any radical change in the form or substance of our copyright law since 1924. If so, the time for complacency is over and the rallying must begin: with copyright reform looming and the expansionist agenda dominating political discourse, Canada sorely needs a positive account of the public domain”. CRAIG, Carys J.. The Canadian Public Domain: What, Where and to What End? Cit..

259 PERLINGIERI, Pietro. O Direito Civil na Legalidade Constitucional. Cit.; p. 119.