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O INFERNO
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Consoante ao vosso modo de as julgar, a irmã da caridade diria: Ah! Deus não é implacavel? Então fui louca em amal-o. Deus não condemna irremissivelmente os peccadores? Louca fui em servil-o. Pois que! n'aquella bemaventurada eternidade, que eu tanto anhelava, não hei de ouvir os gritos da raiva e o estridor dos dentes dos condemnados? Que é d'então dos encantos do paraiso? Meninos, procurem quem os eduque; anciãos, procurem quem os alimente. Orphãosinhos desamparados, vós pensaveis que nós eramos vossas mães e irmãs; cuidaveis que vos amavamos por causa de vosso infortunio, e por vos termos em conta de membros soffredores de Jesus Christo, nosso modêlo e nosso Deus. Desenganai-vos! desenganai-vos! Não era por amor que vos amparavamos, era por medo que vos serviamos como lividas escravas, covardemente flexiveis a todos os caprichos de um senhor imperioso. Mas agora, visto dizerem-nos que o inferno acaba, buscai quem vos ame e sirva. Cada qual por si. Acabou-se o medo; nada de mais sacrificios. Abaixo, tunicas de burel; abaixo, veos que nos escondieis volupias da terra, mas não as dôres, abaixo! A pureza não é enlevo que nos contenha; gemidos de pobres não nos engodam; queremos ter vez na taça do peccado; bebamos, que a vida é curta e o inferno ha de acabar.

Não ha conjunctura em que eu ousasse attribuir similhante linguagem ás irmãs da caridade. Nunca! ainda quando, em um nefasto dia, fosse abolido o dogma