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O INFERNO
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ávidamente estão sequiosos e privados. Os demonios, que os castigam por seus passados prazeres, alimentam n'elles inuteis saudades, e insensatos desejos, dos quaes nada póde distrahil-os, nem sequer as dôres corporaes, e agudissimas de que são atormentados todos os seus membros. N'isto, de mais a mais, os demonios o que fazem é executar as sentenças do soberano juiz — sentença promulgada no céo, pela qual são os reprobos intellectualmente torturados; pois diz Santo Agostinho no seu Commentario aos psalmos: faz-se mister que tudo quanto deliciou os homens, quando peccaram, se converta em instrumento do Senhor quando castiga. O desejo saciado é, pois, punido com o desejo insaciavel.

Não imaginem que no inferno haja uma só alma que deplore a sua innocencia baptismal, e o céo promettido que ella perdeu, e a companhia dos anjos, e a bemaventurança dos eleitos. Os precitos fogem de Deus, não o procuram; viram-no no dia do juizo, tem-no presente sempre nos tormentos que soffrem. De certo os angustia estar tão longe d'elle; mas é angustia de raiva que não tem nada que vêr com as saudades e anceios do amor.

Não pensem que entre as alegrias cuja perda lá nos dilacera o coração, estejam os castos prazeres do lar, a pratica dos anciãos, as meiguices das creanças, a ternura dos irmãos, a dôce confiança dos amigos, as consolações do trabalho e as recompensas do estudo. Verdadeiras alegrias eram aquellas de certo