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O INFERNO

imaginais que o tendes! Quem me dera ser santo, não aos meus proprios olhos, como dir-se-ha que sois aos vossos, mas aos olhos das pessoas de bem e das multidões. Então impugnaria eu a eternidade das penas, não já com melhores razões, nem com argumentos de mais justiça, mas com a auctoridade que uma vida santa e reconhecida como tal imprime na palavra humana. Ha ahi quem se não renda ao vigor de um discurso, e se docilise á virtude ou ao renome de quem discorre.

Não discutamos, pois, a minha vida, que eu não tenho que entender com a vossa. Em meu soccorro valho-me unicamente do raciocinio; desadoro outro prestigio, e não me dobro a outro poder. Refutai-me, se podeis, com razões tão claras como as minhas; mas deixemo-nos de insinuações calumniosas; nada de injurias. Isso que prova? Quando fosse verdade que todos sois pessoas virtuosas que vão direitas ao paraizo, e que eu sou máo, e o peor dos homens, sêde francos, seria isso prova de que eu argumento mal, e vós argumentais bem? Inferirieis d'ahi o que quer que seja contra a infinita misericordia de Deus? A isto é que é preciso responder, senhores. Eu por mim digo que a dôr, n'este e no outro mundo, é meio de expiação; digo que a dôr, n'este e no outro mundo, acarêa a piedade; digo que o castigo mais justo deve ter fim, e que o perdão é o fim, a corôa, a perfeição e explendor das obras da justiça; que um castigo infindo seria um castigo desarrasoado, sem escopo, sem