Ao ouvir-se os peticionários falarem tão alto em direito de propriedade, fica-se surpreendido de que se olvidassem tão depressa de que a máxima parte dos escravos que lavram suas terras são os descendentes desses que um tráfico desumano introduziu criminosamente neste país com afronta das leis e dos tratados! Esqueceram-se de que no período de 1830 a 1850 mais de um milhão de africanos foram assim entregues à lavoura, e que para obter essa quantidade de gado humano era necessário duplicar e triplicar o número de vítimas, alastrando-se de seu sangue e de seus cadáveres a superfície dos mares que nos separam da terra do seu nascimento.
Identificada assim a escravidão como sendo na sua máxima parte a continuação do tráfico ilegal que de 1831 a 1852 introduziu no Brasil aproximadamente um milhão de africanos; provada a sua ilegalidade manifesta em escala tão grande que “a simples revisão dos títulos da propriedade escrava bastaria para extingui-la” [1] (isto é, reduzindo o número dos escravos a proporções que os recursos do Estado poderiam liquidar), é a nossa vez de perguntar se não chegou ainda o momento de livrar as vítimas do tráfico do cativeiro em que vivem até hoje. Pensem os brasileiros que esses africanos estão há 50 anos trabalhando sem salário, em virtude do ato de venda efetuado na África por menos de 90 mil-réis. Pensem eles que até hoje esses infelizes estão esperando do arrependimento honesto do Brasil a reparação do crime praticado contra eles, sucessivamente pelos apresadores de escravos nos seus países, pelo exportador da costa, pelos piratas do Atlântico, pelos importadores e armadores na maior parte estrangeiros do Rio de Janeiro e da Bahia, pelos traficantes do
- ↑ Manifesto da Sociedade Brasileira contra a Escravidão.