Página:O abolicionismo (1883).djvu/121

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confiou-o inteiramente à passividade cúmplice da magistratura, e ao consenso do país. Aconteceu assim o que era natural. À geração educada na tolerância do tráfico sucedeu outra que o considera o maior de todos os crimes, e que, se não desenterra do Livro Negro da Secretaria da Justiça os nomes e os atos dos traficantes para não causar pena desnecessária a pessoas que nada têm com isso, não julga menos dignos da maior de todas as censuras da consciência humana os atos pelos quais, por dinheiro e só por dinheiro, bandidos do comércio ensoparam durante meio século as mãos no sangue de milhões de desgraçados que nenhum mal lhes haviam feito. Por sua vez, a atual geração, desejosa de romper definitivamente a estreita solidariedade que ainda existe entre o país e o tráfico de africanos, pede hoje a execução de uma lei que não podia ser revogada, e não foi, e que todos os africanos ainda em cativeiro sendo bona piratarum têm direito de considerar como a sua carta de liberdade rubricada pela Regência em nome do Imperador.

Admitindo-se a mortalidade em larga escala dos escravos, não há só probabilidade, há certeza de que as atuais gerações são na sua grande maioria constituídas por africanos do último período, quando acabou legalmente o tráfico e os braços adquiriram maior valor, e por descendentes desses. Por isso Sales Torres-Homem disse no Senado aos que sustentavam a legalidade da propriedade escrava, num trecho de elevada eloquência: