Página:O artigo fundador da teoria da relatividade restrita.pdf/2

Wikisource, a biblioteca livre
O artigo fundador da teoria da relatividade restrita
O.F. Piattella

3. Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento[1]

Por A. Einstein

Que a eletrodinâmica de Maxwell - como a mesma hoje em dia é compreendida - na sua aplicação a corpos em movimento leve a assimetrias que parecem não estar relacionadas aos fenômenos, é conhecido. Se pense, por exemplo, à interação eletrodinâmica entre um ímã e um condutor. O fenômeno observável depende aqui somente do movimento relativo entre condutor e ímã, enquanto, no entendimento comum, os dois casos, que um ou o outro destes corpos esteja em movimento, têm que ser rigorosamente separados entre si. De fato, estando o ímã em movimento e o condutor em repouso, produz-se no entorno do ímã um campo elétrico com um certo valor de energia, que, nas regiões onde se encontram partes do condutor, dá origem a uma corrente elétrica. Porém, estando o ímã em repouso e movimentando-se o condutor, não gera-se então nos arredores do ímã nenhum campo elétrico, mas gera-se, por outro lado, no condutor uma força eletromotriz, à qual não corresponde uma energia, mas que - pressuposta a igualdade do movimento relativo para os dois casos considerados - dá origem a correntes elétricas do mesmo tamanho e com a mesma direção, como as produzidas no primeiro caso pelas forças elétricas.

Exemplos do mesmo tipo, assim como as tentativas sem sucesso de detectar um movimento da Terra relativo ao “meio de propagação da luz”, levam à hipótese que nenhumas características dos fenômenos correspondem ao conceito de repouso absoluto, não somente na mecânica mas também na eletrodinâmica, mas que, ainda mais, para todos os sistemas de coordenadas para os quais as equações da Mecânica valem, também as mesmas leis da eletrodinâmica e da ótica são válidas, como isso já tem sido provado para quantidades de primeira ordem. Queremos elevar esta hipótese (cujo conteúdo será chamado doravante “princípio de relatividade”) para postulado e além disto incluir o postulado, aparentemente incompatível com o primeiro, que a luz propaga no espaço vazio sempre com uma determinada velocidade , independente do estado de movimento do corpo que a emite. Estes dois postulados são suficientes para chegar numa eletrodinâmica dos corpos em movimento simples e livre de contradições com base na teoria Maxwelliana para corpos em repouso. A introdução de um “éter da luz” se revelará desnecessária, pois, segundo a interpretação a ser desenvolvida aqui, não introduz-se um “espaço de repouso absoluto” dotado de propriedades extraordinárias e nem associa-se um vetor velocidade a um ponto do espaço vazio em que processos eletromagnéticos ocorrem.

A teoria a ser desenvolvida baseia-se - como toda outra teoria da eletrodinâmica - na cinemática dos corpos rígidos, pois as afirmações de cada teoria interessam relações entre corpos rígidos (sistemas de coordenadas), relógios, e processos eletromagnéticos. A falta de consideração desta circunstância é a raiz das dificuldades com as quais a eletrodinâmica dos corpos em movimento tem que lutar no momento.


II. Parte cinemática.
§ 1. Definição da simultaneidade.

Se considere um sistema de coordenadas em que as equações da mecânica newtoniana sejam válidas. Chamamos este sistema de coordenadas de “sistema de repouso” para distingui-lo em palavras de outros sistemas de coordenadas a serem introduzidos mais à frente, e para uma sua precisa representação. Se um ponto material está em repouso com relação a este sistema de coordenadas, então a sua posição com relação a ele pode ser determinada por meio de réguas rígidas e o uso dos métodos da geometria euclidiana, e ser expressada em coordenadas cartesianas.

Cadernos de Astronomia, vol. 1, nº1, 157-176 (2020)
158
  1. Título original: Zur Elektrodynamik bewegter Körper. Publicado em: Annalen der Physik 17 (1905): 891–921. O número 3 ao lado do título do artigo refere-se ao fato que o mesmo é o terceiro compondo esse volume dos Annalen der Physik. Traduzido por Oliver F. Piattella.