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O artigo fundador da teoria da relatividade restrita
O.F. Piattella

Se queremos descrever o movimento de um ponto material, damos os valores das suas coordenadas em função do tempo. Agora, é bom ficar atentos ao fato que uma tal descrição matemática possui sentido físico somente se antes tem se tornado claro o que aqui se entende com “tempo”. Temos que tomar em conta que todas as nossas asserções em que o tempo desempenha um papel, são sempre asserções sobre eventos simultâneos. Quando digo por exemplo: “Esse trem chega aqui às 7 horas”, isto quer dizer algo do tipo: “O ponteiro menor do meu relógio indicar o 7 e a chegada do trem são eventos simultâneos”.[1]

Poderia parecer que todas as dificuldades que a definição de “tempo” encontra possam ser superadas se, em lugar de “tempo”, uso “a posição do ponteiro pequeno do meu relógio”. Uma tal definição é de fato suficiente quando trata-se de definir um tempo exclusivamente para o lugar em que se encontra o relógio; a definição porém não é mais suficiente assim que se tratar de interligar temporalmente uma série de eventos que ocorrem em lugares diferentes, ou - equivalentemente - avaliar temporalmente eventos que ocorrem em lugares afastados do relógio.

Nós poderíamos, por outro lado, nos limitar a avaliar temporalmente os eventos por meio de um observador que se encontra na origem do sistema de coordenadas juntamente ao relógio, e que associa a correspondente posição dos ponteiros do relógio para cada sinal luminoso que representa um evento a ser avaliado e que chega até ele através o espaço vazio. Uma tal associação, porém, traz consigo o inconveniente de que ela não é independente do ponto de vista do observador dotado do relógio, como nós sabemos por experiência. Chegamos a uma determinação muito mais prática por meio da seguinte consideração.

No ponto do espaço se encontra um relógio, e assim um observador que se encontra em pode avaliar temporalmente eventos que acontecem na imediata proximidade de procurando a posição dos ponteiros do relógio que é simultânea com esses eventos. Também no ponto do espaço se encontra um relógio - queremos acrescentar “um relógio realizado exatamente da mesma forma como o relógio que se encontra em ” - então uma avaliação temporal dos eventos é possível também no imediato entorno de por um observador que se encontra em B. Não é porém possível, sem uma ulterior imposição, comparar temporalmente um evento em com um evento em ; até o momento temos definido somente um “tempo-” e um “tempo-”, mas não um tempo conjunto para e . Este último tempo pode agora ser determinado estabelecendo por definição que o “tempo” que a luz precisa para chegar de a é igual ao “tempo” que ela precisa para chegar de a . Isto é, um raio de luz sai de para no “tempo- , é refletido em para num “tempo- e chega de volta em no “tempo-. Os dois relógios estão sincronizados, por definição, se:[2]


.

(1)


Supomos que esta definição de sincronismo seja possível de uma maneira livre de contradições, e certamente para muitos pontos arbitrários, e que então sejam válidas, em geral, as relações:

1. Se o relógio em está sincronizado com o relógio em , então o relógio em está sincronizado com o relógio em .

2. Se o relógio em está sincronizado tanto com o relógio em como também com o relógio em , então os relógios em e em estão também sincronizados entre eles.

Nós temos então estabelecido, com o auxílio de uma certa experiência física (pensada), o que entende-se por relógios sincronizados que se encontram em repouso em lugares diferentes, e com isso, evidentemente, temos ganhado uma definição de “simultaneidade” e “tempo”. O “tempo” de um evento é a indicação, simultânea ao evento, de um relógio que se encontra em repouso no lugar do evento e que está sincronizado com um determinado relógio em repouso, e com este claramente se mantém sincronizado para todas as determinações de tempo.

Cadernos de Astronomia, vol. 1, nº1, 157-176 (2020)
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  1. A imprecisão que está por trás do conceito de simultaneidade de dois eventos que ocorrem (aproximadamente) no mesmo lugar, que igualmente deve ser superada por meio de uma abstração, não será discutida aqui.
  2. [N.d.T.] No artigo original de Einstein as equações não são numeradas. Eu preferi numerá-las aqui para tornar mais práticas eventuais discussões em sala de aula.