Página:O bobo (1910).djvu/206

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alça o colo, vibra a língua farpada: e passado um dia, por cima do cadáver do forte, do homem, o ente fraco, a víbora, pode arrastar-se, rolar, sem que ele alevante o pé para a esmagar de novo!...

O cavaleiro e o monge, cujos olhos se haviam afeito à luz escassa da lanterna do bobo, estavam pasmados ouvindo aquelas palavras e vendo aquele gesto truanesco, em que se pintavam o ódio, a raiva, a desesperação. Atónitos, custava-lhes a crer o que presenciavam, ignorando o que se passara no jardim pênsil. O Lidador largara o braço de Dom Bibas; e a muito custo puderam os dois perceber dos seus discursos truncados o motivo do furor do chocarreiro.

— Fico tranquilo! - disse por fim Gonçalo Mendes. - A injúria cruel que recebeste e essa sede de vingança são os teus fiadores. Agora afastemo-nos daqui - acrescentou ele dirigindo-se ao abade. - Não devo demorar-me por mais tempo. Cumpre ter tudo disposto para sairmos ao romper de alva. A Virgem e Sant'Iago sejam convosco.

Ia a afastar-se. Dom Bibas, porém, o reteve, segurando-lhe com força a orla do saio.

— Não saireis sem me ouvirdes! - exclamou o bufão. - Quando os sisudos traçam, como