Página:O bobo (1910).djvu/205

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os olhos como quem buscava ler na sua alma - é impossível que queiras escarnecer de um nobre cavaleiro que nunca te maltratou e de um pobre velho que sempre achaste indulgente, enquanto os outros monges te repeliam como a um réprobo, desde o dia em que despiste o nosso santo hábito para te atirares aos deleites do mundo e, di-lo-ei, à devassidão da vida de um jogral. É impossível, repito, que as tuas palavras sejam apenas uma cruel zombaria. Mas como hei-de eu acreditar-te? Que auxílio nos podes prestar, tu humilhado e fraco?...

— Bem sei que sou fraco! Oh! bem sei! - interrompeu o bobo com um acento em que se misturava a desesperação e a dor. - Essa terrível verdade está escrita com sangue no meu corpo pelas mãos dos cavalariços de Fernando Peres, e com fogo nos seios da minha alma pelo dedo da amargura. Sou fraco!... porque não embraço um escudo, nem meneio uma acha de armas! Sou um homem condenado ao mais atroz dos tormentos; a chamar o riso aos lábios e a alegria ao gesto quando o coração está em noite. Sou fraco... porém não sou vil! Mais fraca é a víbora... e também o homem, que é forte, a calca e passa avante: mas pisada, ela