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MONTEIRO LOBATO

tinha grande originalidade, pois todos os meus conhecidos se julgavam da mesma fórma.

Eu vivia do meu trabalho, recebendo delle, não o producto, mas uma pequena quota, o necessario para pagar o quarto onde morava, a pensão onde comia e a roupa que vestia. Quem propriamente gosavam do meu trabalho eram os socios da firma Sá, Pato & Cia, gordos e solidos negociantes que me enterneciam a alma nas epocas de balanço, ao concederem-me a pequena gratificação constituidora do meu lucro. Com elles trabalhei varios annos, conseguindo reunir o modesto peculio que transformei em marcos e, com grande dor d'alma, vi reduzirem-se a zero absoluto, apesar da theoria de que tudo é relativo.

Continuei no trabalho por mais quatro annos, d'ahi por deante já curado de jogatinas e megalomanias.

Mas, todos nós possuimos um ideal na vida. Meu amigo corretor sonha dirigir a carteira cambial de um banco. Aquelle pobre que alli passa, tocando um realejo que herdou do pae e ao qual faltam tres notas, sonha com um realejo novo a que não falte nota nenhuma. Eu sonhava... com um automovel. Meu Deus ! As noites que passei pensando nisso, vendo-me ao volante, de olhar firme para a frente, fazendo, a berros de klaxon, disparar do meu caminho os pobres e assustadiços pedestres ! Como tal sonho me enchia a imaginação !