Página:O ermitão do Muquem (1864).djvu/222

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que o animava ainda a despeito de todos os jejuns, macerações e fadigas a que se sujeitava. Parecia que sua alma estava prestes a exalar-se daquela frágil prisão corpórea; mesmo assim porém, mesmo apesar das orações, penitências e mortificações a que se entregava, Gonçalo, não achando lenitivo algum às cruéis tribulações de seu espírito, vagava sem repouso pelos ermos os mais inóspitos e desabridos, exposto a todos os rigores do tempo, como o Édipo da fábula perseguido pelas Eumênides, ou como o Aasvero da legenda cristã em seu eterno peregrinar.

Um dia, oprimido de cansaço e de sede, e acabrunhado de mortal tristeza, chegou a um sítio ermo e silencioso, sem horizonte nem perspectiva alguma, a um triste e retraído vale rodeado de morros áridos e de aspecto lúgubre, cobertos de uma vegetação enfezada e rasteira. Tudo era ali mudez e solidão; uma só ave não piava pelos ramos amarelados dos arbustos, nem se ouvia rumor que denunciasse a existência de ente vivo por aquelas soturnas e melancólicas paragens. Apenas ouvia-se o vento a farfalhar pelas ramas ressequidas dos matagais e o burburinho de um córrego a desfiar por uma grota pedregosa, triste como a reza monótona murmurada ao pé do ataúde de um finado... Gonçalo desceu à grota, matou a sede, e depois ajoelhou-se para dar graças ao céu, e encomendar sua alma a Deus, pois pensou ser ali o último pouso