Saltar para o conteúdo

Página:O imperio brazileiro.pdf/155

Wikisource, a biblioteca livre
CAPITULO V
143

cias ou buscar a illusão da liberdade, mas raros se revoltaram em grupos contra os seus senhores, ou os trucidaram, ou commetteram desacatos, antes ajudavam com todas suas forças os proprietarios a se tornarem abastados e influentes, soflrendo muito embora com esse seu poder. Quando, sob a Regencia, a anarchia se alastrou por todo o paiz, havia uns toques de levantes de gente de côr como a balaiada do Maranhão e a sabinada da Bahia, mas não tomaram o aspecto geral de uma guerra de raças. Foram antes movimentos ou suscitados ou explorados pela politica. Os agitadores abolicionistas da ultima decada de regimen servil, mesmo os menos demagogos dentre elles, aconselharam aberta e malevolamente os escravos a empregarem aquella arma do terror negro e, em accessos de eloquencia tropical, evocaram aos olhos dos senhores o espectaculo hediondo dos seus corpos recortados e das suas filhas violadas. Não foram cohibidos nas suas atrozes suggestões, mais ameacadoras do que sinceras e o desinteresse da Corôa por si protegeu os proprietarios, da mesma forma que a isenção de ambições pessoaes dos homens da Regencia tinha salvado a instituição monarchica encarnada n'uma criança.

Nada succedeu que recordasse de longe sequer as scenas de São Domingos. Ao proclamar-se a abolição, os escravos abandonaram na sua immensa maioria as plantações e foram para a cidade prover a seu modo a liberdade concedida, mas não deixando atraz de si um ultraje, uma vingança, quasi que saudosos das senzalas que tinham abrigado o seu infortunio. Sob varios dos seus traços a instituição servil offerecia uma apparencia patriarchal. A cordialidade que reinava geralmente — o que não quer dizer absolutamente — entre senhores e escravos prova que a humanidade era a regra commum entre os primeiros, os quaes, vivendo em contacto diario com os segundos e fiscalizando em pessoa seus feitores, tinham toda vantagem em tratal-os sem dureza e sobretudo sem crueldade. Foi o odio que provocou as terriveis represalias antilhanas. Os proprietarios viviam pela maior parte na Europa e a adminis-