Talvez pareça estranho se venha pedir a imparcialidade da história para quem mais vezes se tem visto citar como figura inolvidavel no relato de nosso mais próximo passado. Mas, ha razões no proceder. Luiz Gama, como dezenas de outros vultos do Brasil de antanho, só é citado quando se torna impossivel fugir-lhe á lembrança do nome, tão intimamente se soldou a sua individualidade aos anais da Abolição. No fundo, porem, permanece um personagem por estudar, desconhecido dos contemporaneos e ligeiramente delineado em atitudes que não são verdadeiras porque apenas episodicamente exatas. E esses episódios, de tanto repetidos e mal comentados, quasi sempre, quando não mesmo adulterados, acabaram transformando o negro admiravel numa figura de cromolitografia, estereotipada e imovel, interessante ao primeiro olhar, perfeitamente irritante depois.
Descobri essa verdade, sem o querer. Em 1929, a instancias de Amadeu Amaral, amigo e mestre a quem eu não podia negar nada, ingressei, contra a minha vontade, na Academia Paulista de Letras. Estavam na fase de reorganização daquele instituto e havia nada menos de quinze vagas, ocasionadas pelo largo interregno de hibernação em que a Academia permanecera. Coube-me a poltrona n.° 15, que tinha por patrono Luiz Gama. A Academia, numa das suas primeiras sessões, resolvera que cada novo academico fizesse o perfil de seu patrono, sugestão acolhida com alegria e alvoroço, no entusiasmo daquela fase de reinicio de atividades. Ela daria motivos