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SUD MENNUCCI

sobre o ânimo do fidalgo, da parte de sua própria família, talvez de seus amigos (quiçá esse mesmo Quintela, a quem de tão má vontade se refere Luiz Gama) no sentido de convencer o amante de Luiza Mahin de que o filho não era dele e que a preta o ilaqueara miseravelmente na sua boa fé, só para garantir o futuro do rebento? A ausência da quitandeira facilitava a tarefa. Não estava ela alí para, em se defendendo, defender a sorte do filho. E essa propria e prolongada ausência não poderia transformar-se, para os advogados do diabo, numa prova bastante e decisiva da habilidade da mulher em impingir-lhe a prebenda, transferindo as suas responsabilidades, e desinteressando-se a seguir da cria, uma vez convencida de lhe haver assegurado e consolidado o porvir?

Não tenho a intenção de inocentar ou de minorar o gesto do homem que Luiz Gama, num repente quiça se mais de nojo que de piedade, negou á historia. A ignomínia do procedimento permanece a mesma. Mas não consigo juntar, num mesmo perfil psicológico, as duas contraditórias atitudes, tão proximas uma da outra, sem a intervenção de um fator novo, capaz de, pela dúvida que viesse a suscitar, levantar uma verdadeira tempestade no cérebro desse homem, e lhe desse a coragem necessária para mudar, de uma hora para outra, e assim tão brutalmente, o curso da existência de uma pobre criança inocente e ignara dos sucessos. E’ inutil: não posso conceber o gesto sem a tragédia interior; não posso admití-lo sem movel profundo, arrebatado, lacerante, de egoismo animal, de ciume póstumo, de desejo cruel de vingança.