Este discurso vão da vida humana,
Por mais que philosophe, nem qu’entenda,
Que algum pouco do mundo não pretenda.
Diogenes pisava de Platão
Com seus sordidos pés o rico estrado,
Mostrando outra mais alta presumpção
Em desprezar o fausto tão prezado.
Diogenes, não vês que extremos são
Esses que segues, de mais alto estado?
Pois se de desprezar te prezas muito,
Ja pretendes do mundo fama e fruito.
Deixo agora Reis grandes, cujo estudo
He fartar esta sêde cubiçosa
De querer dominar e mandar tudo,
Com fama larga e pompa sumptuosa.
Deixo aquelles que tomão por escudo
De seus vicios e vida vergonhosa
A nobreza de seus antecessores,
E não cuidão de si que são peores.
Aquelle deixo, a quem do somno esperta
O grão favor do Rei que serve e adora,
E se mantẽe dest’aura falsa e incerta,
Que de corações tantos he senhora.
Deixo aquelles qu’estão co’a boca aberta
Por s’encher de thesouros de hora em hora,
Doentes desta falsa hydropesia,
Que quanto mais alcança, mais queria.
Deixo outras obras vãas do vulgo errado,
A quem não ha ninguem que contradiga,
Nem de outra cousa alguma he governado,
Que d’huma opinião e usança antiga.
Página:Obras completas de Luis de Camões III (1843).djvu/211
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