Do puro sangue os rios que corrião,
Outro vermelho mar ja tinhão feito.
Tu só, Córdula, á morte t’escondeste;
Mas despois a buscaste e recebeste.
Ciriáco o primeiro, bem constante,
A vida ao ferro offrece sem espanto:
O moço Rei Inglez cahio diante
Daquelles castos olhos que amou tanto.
Espera, brando esposo, hum breve instante;
Espera a tua doce esposa, em tanto
Que outro Amor outro golpe lhe prepara;
E juntos entrareis na Patria chara.
Em qual terra, ó crueis, em qual cidade,
Entre quaes gentes mais a furor dadas,
Se não usou d’amor e de piedade
Com formosas donzellas desarmadas?
Como belleza tanta e tal idade
Vos deixou arrancar vossas espadas?
Ah lobos carniceiros, tigres bravos,
Filhos da crueldade, d’ira escravos!
De quantos animaes sustenta a terra
Nunca tanta crueza foi usada;
Inda que tenhão huns com outros guerra,
Nunca do macho a femia he lastimada:
Anda a cerva co’o cervo por a serra,
A novilha do touro acompanhada,
Á leoneza o leão defender preza:
Vós sós quebrais as leis da natureza?
Puderão outros olhos por ventura
De lagrimas divinas escusar-se,
Vendo, cuberta ja de névoa escura,
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