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Mas não como eu mereci.
O dia que fui nascida,
Minha mãe do parto forte
Foi sem cura fallecida;
E o dia que me deo vida
Lhe dei eu a ella a morte.
Do mesmo parto nasceo
Meu irmão, que entre os cabritos
Comigo tambem viveo;
Mas, assi como cresceo,
Crescêrão nelle os espritos.
Foi-se buscar a cidade;
Teve juizo e saber;
Eu fiquei, como mulher,
E não tive faculdade
Para poder mais valer.
A hum pastor obedeço
Por pae, que d’outro não sei;
E, pola mãe que matei,
A huma cabra conheço,
De cujo leite mamei.
Mas porém, ja qu’este monte
Me obriga e meu nascimento,
Quero, pois quer meu tormento,
Encher a talha na fonte
Que co’os olhos accrescento.
Finge que enche a talha. </poem>