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Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/108

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SONETOS.
LXVI.

Formosura do Ceo a nós descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;

Qual lingoa póde haver tão atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti ha se vê perdida?

Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra hum paraiso,
Logo o engenho me falta, o esprito míngoa.

Mas o que mais me impede inda louvar-te,
He que quando te vejo perco a lingoa,
E quando não te vejo perco o siso.



LXVII.

Pois meus olhos não cansão de chorar
Tristezas não cansadas de cansar-me;
Pois não se abranda o fogo em que abrazar-me
Pôde quem eu jamais pude abrandar;

Não canse o cego Amor de me guiar
Onde nunca de lá possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Em quanto a fraca voz me não deixar.

E se em montes, se em prados, e se em valles
Piedade mora alguma, algum amor
Em feras, plantas, aves, pedras, agoas;

Oução a longa historia de meus males,
E curem sua dor com minha dor;
Que grandes mágoas podem curar mágoas.