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SONETOS.
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LXVIII.

Dai-me hũa lei, Senhora, de querer-vos,
Porque a guarde sobpena de enojar-vos;
Pois a fé que me obriga a tanto amar-vos
Fara que fique em lei de obedecer-vos.

Tudo me defendei, senão só ver-vos
E dentro na minha alma contemplar-vos;
Que se assi não chegar a contentar-vos,
Ao menos nunca chegue a aborrecer-vos.

E se essa condição cruel e esquiva
Que me deis lei de vida não consente,
Dai-ma, Senhora, ja, seja de morte.

Se nem essa me dais, he bem que viva,
Sem saber como vivo, tristemente;
Mas contente estarei com minha sorte.



LXIX.

Ferido sem ter cura perecia
O forte e duro Télepho temido
Por aquelle que na agua foi metido,
E a quem ferro nenhum cortar podia.

Quando a Apollineo Oraculo pedia
Conselho para ser restituido,
Respondeo-lhe, tornasse a ser ferido
Por quem o ja ferira, e sararia.

Assi, Senhora, quer minha ventura;
Que ferido de ver-vos claramente,
Com tornar-vos a ver Amor me cura.

Mas he tão doce vossa formosura,
Que fico como o hydropico doente,
Que bebendo lhe cresce mór seccura.