Esses cabellos louros e escolhidos,
Que o ser ao aureo sol estão tirando;
Esse ar immenso, adonde naufragando
Estão continuamente os meus sentidos;
Esses furtados olhos tão fingidos
Que minha vida e morte estão causando;
Essa divina graça, que em fallando
Finge os meus pensamentos não ser cridos;
Esse compasso certo, essa medida
Que faz dobrar no corpo a gentileza;
A divindade em terra, tão subida;
Mostrem ja piedade, e não crueza,
Que são laços que Amor tece na vida,
Sendo em mi sofrimento, em vós dureza.
Quem pudéra julgar de vós, Senhora,
Que huma tal fé pudesse assi perder-vos?
Se por amar-vos chego a aborrecer-vos,
Deixar não posso o amar-vos algum'hora.
Deixais a quem vos ama, ou vos adora,
Por ver a quem quiçá não sabe ver-vos?
Mas eu sou quem não soube merecer-vos,
E esta minha ignorancia entendo agora.
Nunca soube entender vossa vontade,
Nem a minha mostrar-vos verdadeira,
Indaque clara estava esta verdade.
Esta, em quanto eu viver, vereis inteira;
E se em vão meu querer vos persuade,
Mais vosso não querer faz que vos queira.