Nunca em amor damnou o atrevimento;
Favorece a Fortuna a ousadia;
Porque sempre a encolhida covardia
De pedra serve ao livre pensamento.
Quem se eleva ao sublime Firmamento,
A estrella nelle encontra, que lhe he guia;
Que o bem que encerra em si a phantasia
São humas illusões que leva o vento.
Abrir se devem passos á ventura:
Sem si proprio ninguem será ditoso:
Os principios somente a sorte os move.
Atrever-se he valor, e não loucura.
Perderá por covarde o venturoso
Que vos vê, se os temores não remove.
Doces e claras águas do Mondego,
Doce repouso de minha lembrança,
Onde a comprida e perfida esperança
Longo tempo apos si me trouxe cego,
De vós me aparto, si; porém não nego
Que inda a longa memoria, que me alcança,
Me não deixa de vós fazer mudança,
Mas quanto mais me alongo, mais me achego
Bem poderá a Fortuna este instrumento
Da alma levar por terra nova e estranha,
Offerecido ao mar remoto, ao vento.
Mas a alma, que de cá vos acompanha,
Nas azas do ligeiro pensamento
Para vós, águas, vôa, e em vós se banha.