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SONETOS.


CXXXIV.

Senhor João Lopes, o meu baixo estado
Hontem vi posto em grao tão excellente,
Que sendo vós inveja a toda a gente,
Só por mi vos quizereis ver trocado.

O gesto vi suave e delicado,
Que ja vos fez contente e descontente,
Lançar ao vento a voz tão docemente,
Que fez o ar sereno e socegado.

Vi-lhe em poucas palavras dizer quanto
Ninguem diria em muitas: mas eu chego
A espirar só de ouvir a doce fala.

Oh mal o haja a Fortuna, e o moço cego!
Elle, que os corações obriga a tanto;
Ella, porque os estados desiguala.



CXXXV.

A Morte, que da vida o nó desata,
Os nós, que dá o Amor, cortar quizera
Co'a ausencia, que he sôbre elle espada fera,
E co'o tempo, que tudo desbarata.

Duas contrárias, que huma a outra mata,
A Morte contra Amor junta e altera;
Huma, Razão contra a Fortuna austera;
Outra, contra a Razão Fortuna ingrata.

Mas mostre a sua imperial potencia
A Morte em apartar de hum corpo a alma,
O Amor n'hum corpo duas almas una;

Para que assi triumphante leve a palma
Da Morte Amor a grão pesar da ausencia,
Do tempo, da Razão, e da Fortuna.