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SONETOS.
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CLXXII.

Cantando estava hum dia bem seguro,
Quando passava Sylvio, e me dizia:
(Sylvio, pastor antiguo que sabia
Por o canto das aves o futuro)

Liso, quando quizer o fado escuro,
A opprimir-te virão em hum só dia
Dous lobos; logo a voz e a melodia
Te fugirão, e o som suave e puro.

Bem foi assi; porque hum me degolou
Quanto gado vacum pastava e tinha,
De que grandes soldadas esperava.

E por mais damno o outro me matou
A cordeira gentil, qu'eu tanto amava,
Perpétua saudade da alma minha.



CLXXIII.

O ceo, a terra, o vento socegado,
As ondas que se estendem por a areia,
Os peixes que no mar o somno enfreia,
O nocturno silencio repousado;

O Pescador Aonio que, deitado
Onde co'o vento a água se meneia,
Chorando, o nome amado em vão nomeia,
Que não póde ser mais que nomeado,

Ondas, (dizia) antes que Amor me mate,
Tornae-me a minha Nympha, que tão cedo
Me fizestes á morte estar sujeita.

Ninguem responde; o mar de longe bate;
Move-se brandamente o arvoredo;
Leva-lhe o vento a voz, qu'ao vento deita.