Cantando estava hum dia bem seguro,
Quando passava Sylvio, e me dizia:
(Sylvio, pastor antiguo que sabia
Por o canto das aves o futuro)
Liso, quando quizer o fado escuro,
A opprimir-te virão em hum só dia
Dous lobos; logo a voz e a melodia
Te fugirão, e o som suave e puro.
Bem foi assi; porque hum me degolou
Quanto gado vacum pastava e tinha,
De que grandes soldadas esperava.
E por mais damno o outro me matou
A cordeira gentil, qu'eu tanto amava,
Perpétua saudade da alma minha.
O ceo, a terra, o vento socegado,
As ondas que se estendem por a areia,
Os peixes que no mar o somno enfreia,
O nocturno silencio repousado;
O Pescador Aonio que, deitado
Onde co'o vento a água se meneia,
Chorando, o nome amado em vão nomeia,
Que não póde ser mais que nomeado,
Ondas, (dizia) antes que Amor me mate,
Tornae-me a minha Nympha, que tão cedo
Me fizestes á morte estar sujeita.
Ninguem responde; o mar de longe bate;
Move-se brandamente o arvoredo;
Leva-lhe o vento a voz, qu'ao vento deita.