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SONETOS.


CCVI.

Formosa Beatriz, tendes taes geitos
N'hum brando revolver dos olhos bellos,
Que só no contemplá-los, se não ve-los,
Se inflammão corações e humanos peitos.

Em toda perfeição são tão perfeitos,
Que o desengano dão de merecê-los:
Não póde haver quem possa conhecê-los,
Sem nelle Amor fazer grandes effeitos.

Sentirão, por meu mal, tão graves danos
Os meus, que com os ver cegos e tristes
Ficarão sem prazer, co'a luz perdida.

Mas ja que vós com elles me feristes,
Tornai-me a ver com elles mais humanos,
E deixareis curada esta ferida.



CCVII.

Alegres campos, verdes, deleitosos,
Suaves me serão vossas boninas,
Em quanto forem vistas das meninas
Dos olhos de Ignez bella tão formosos.

Dos meus, que vos serão sempre invejosos
Por não verem estrellas tão divinas,
Sereis regados d'águas peregrinas,
Soprados de suspiros amorosos.

E vós, douradas flores, por ventura
Se Ignez quizer fazer de meus amores
Exp'riencias na folha derradeira,

Mostrai-lhe, para ver minha fé pura,
O bem que sempre quiz, formosas flores;
Qu'então não sentirei que mal me queira.