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SONETOS.
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CCVIII.

Ondados fios de ouro, onde enlaçado.
Continuamente tenho o pensamento;
Que quanto mais vos sólta o fresco vento,
Mais preso fico então de meu cuidado;

Amor, d'huns bellos olhos sempre armado,
Me combate co'as fôrças do tormento,
Provando da minha alma o soffrimento
Que á justa lei da paz trago obrigado.

Assi que em vosso gesto mais que humano
Amo a paz juntamente e o perigo;
E em amar hum e outro não me engano.

Muitas vezes dizendo estou comigo
Que, pois he tal a causa de meu dano,
He justa a guerra, he justa a paz que sigo.



CCIX.

Amor, que em sonhos vãos do pensamento
Paga o zêlo maior de seu cuidado,
Em toda condição, em todo estado,
Tributario me fez de seu tormento.

Eu sirvo, eu canso; e o grão merecimento
De quanto tenho a Amor sacrificado,
Nas mãos da ingratidão despedaçado
Por prêza vai do eterno esquecimento.

Mas quando muito, em fim, cresça o perigo,
A que perpetuamente me condena
Amor, que amor não he, mas inimigo;

Tenho hum grande descanso em minha pena,
Que a gloria do querer, que tanto sigo,
Não póde ser co'os males mais pequena.