E se attentares bem os grandes danos
Que se nos vão mostrando cada dia,
Poras freio tambem a esses enganos
Que te está figurando a ousadia.
Tu não vês como os lobos Tingitanos,
Apartados de toda cobardia,
Mátão os cães do gado guardadores,
E não somente os cães, mas os pastores?
Pois o grande curral, seguro e forte,
Do alto monte Atlas não ouviste
Que com sanguinolenta e fera morte
Despovoado foi por caso triste?
Oh triste caso! oh desastrada sorte,
Contra quem fôrça humana não resiste!
Que alli tambem da vida foi privado
O meu Tionio, ainda em flor cortado!
UMBRANO.
Em lagrimas me banha rosto e peito
Desse caso terrivel a memoria,
Quando vejo quão sabio e quão perfeito,
E quão merecedor de longa historia
Era esse teu pastor, que sem direito
Deo ás Parcas a vida transitoria.
Mas não ha hi quem d'herva o gado farte,
Nem de juvenil sangue o fero Marte.
Porém, se te não for muito pezado,
(Ja qu'esta triste morte me lembraste)
Canta-me desse caso desastrado
Aquelles brandos versos que cantaste,
Quando hontem, recolhendo o manso gado,
De nós-outros pastores te apartaste;{
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