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Lhe traz sempre ante os olhos esculpido,
Está-se-lhe pintando, de enlevado,
Que tẽe ja da phantastica pastora
O peito diamantino mitigado.
Em este doce engano estava agora
Fallando como em sonho, mas achando
Ser vento o que sonhava, grita e chora.
Dest'arte andavão sonhos enganando
O pastor somnolento, que a Diana
Andava entre as ovelhas celebrando;
Dest'arte a nuvem falsa, em fórma humana,
O vão pae dos Centauros enganava:
(Que Amor quando contenta, sempre engana)
Como este, que comsigo só fallava,
Cuidando que fallava, de enleado,
Com quem lhe o pensamento figurava.
Não póde quem quer muito, ser culpado
Em nenhum êrro, quando vem a ser
Este amor em doudice transformado.
Amor não será amor, se não vier
Com doudices, deshonras, dissensões,
Pazes, guerras, prazer e desprazer;
Perigos, linguas más, murmurações
Ciumes, arruidos, competencias,
Temores, nojos, mortes, perdições.
Estas são verdadeiras penitencias
De quem põe o desejo onde não deve,
De quem engana alheias innocencias.
Mas isto tẽe o amor, que não se escreve
Senão donde he illicito e custoso;
E donde he mais o risco, mais se atreve.{172}
Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/245
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