Passava o tempo alegre e deleitoso
O Troiano pastor, em quanto andava
Sem ter alto desejo e perigoso.
Seus furiosos touros coroava,
E nos álamos altos escrevia
Teu nome (Enone) quando a ti só amava.
Os álamos crescião, e crescia
O amor qu'elle te tinha: sem perigo,
E sem temor, contente te servia.
Mas despois que deixou entrar comsigo
Illicito desejo e pensamento,
De sua quietação tão inimigo;
A toda a patria poz em detrimento
Com mortes de parentes e de irmãos,
Com crú incendio, e grande perdimento.
Nisto fenecem pensamentos vãos:
Tristes serviços mal galardoados,
Cuja glória se passa d'entre as mãos.
Lagrimas e suspiros arrancados
D'alma, todos se pagão com enganos:
E oxalá forão muitos enganados!
Andão com seu tormento tão ufanos,
Que gastão na doçura d'hum cuidado
Apos huma esperança muitos anos.
E talha tão perdido namorado,
Tão contente co'o pouco, que daria
Por hum só volver d'olhos todo o gado.
Em todo povoado e companhia,
Sendo ausentes de si, se vem presentes
Com quem lhes pinta sempre a phantasia.
Co'hum certo não sei que andão contentes,{
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