Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/255

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            BELISA.
  Que alegre campo e praia deleitosa!
Quão saudosa faz esta espessura
A formosura angelica e serena
Da tarde amena! Quão saudosamente
A sesta ardente abranda, suspirando,
De quando em quando o vento alegre e frio!
No fundo rio os mudos peixes sáltão;
Os ceos se esmaltão todos d'ouro e verde,
E Phebo perde a fôrça da quentura.
Por a espessura levão, passeando,
O gado brando ao som das çanfoninas,
Pizando as finas e formosas flores,
Os Guardadores, que cantando o gesto
Formoso e honesto das pastoras qu'amão,
Por o ar derramão mil suspiros vãos.
Hum louva as mãos, louva outro os raios bellos,
Outro os cabellos d'ouro, em som suave:
E a amorosa ave leva o contraponto.
Mas oh que conto e saudosa historia
Que na memoria aqui se m'offerece!
Se não m'esquece, ja deste lugar
Ouvi soar os valles algum dia,
E respondia o eco o nome em vão
N'hum coração, Belisa retumbando.
Estou cuidando como o tempo passa,
E quão escaça he toda alegre vida;
E quão comprida, quando he triste e dura.
Nesta 'spessura longo tempo amei:
Se m'enganei com quem do peito amava,
Não me pezava de ser enganada.{182}