Fui salteada, emfim, d'hum pensamento,
Que hum movimento tinha casto e são.
Conversação foi fonte dest'engano
Que, por meu dano, entrou com falsa côr.
Porque o amor na Nympha, que he segura,
Entra em figura de vontade honesta.
Mas que me presta agora dar desculpa?
Pois se houve culpa, foi do firme amor
Só, n'hum pastor, que nunca sol nem lũa,
Ou serra algũa, desde o Ibero ao Indo,
Outro tão lindo vírão, tão manhoso.
Nest'amoroso estado, e fé que tinha
Nest'alma minha tão secretamente,
Vivi contente, amando e encobrindo.
Elle fingindo mentirosos danos,
Que são enganos que não custão nada;
Tendo alcançada ja no entendimento
A fé e intento meu só nelle pôsto;
(Que logo o rosto mostra os corações,
E as affeições co'os olhos se praticão
Que mais publicão muito, que palavras)
Com suas cabras sempre á parte vinha,
Ond'eu mantinha os olhos do desejo.
Tu, manso Tejo, e tu, florído prado,
Do mais passado, emfim, que aqui não digo,
Sereis, m'obrigo, testimunho certo;
Pois descoberto vos foi tudo e claro.
Oh tempo avaro! oh sorte nunca igual!
Quão grande mal quereis á humana gente!
Porque hum contente estado assi trocastes?
Vós me tirastes do meu peito isento{183}
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