Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/303

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Postoque me desculpe a mágoa pura.
Digo, Nymphas, que minto:
Pois mal póde haver nunca quem pretenda
Negar-vos essa rara formosura.
Se amor de tanta dura
Por tanto mal tão pouco bem merece,
Não estranheis, minh'alma se endoudece:
Que se doudices falla d'improviso
Sem tento e sem aviso,
Queira Deos, que dureza tão crescida
Me não prive da vida além do siso.
  Cousas grandes e estranhas
Por o mundo tẽe feito e faz natura,
Que a quem vos não vio, Nymphas, muito espantão.
Nas Libycas montanhas
As Scitales são feras, de pintura
Tão singular, que só co'a vista encantão.
As hienas levantão
A voz tão natural á voz humana,
Que a quem as ouve, facilmente engana.
E vós (ó gentis feras) cujo aspeito
O mundo tẽe sujeito,
Tendes de natureza juntamente
A vista e voz de gente, e fero o peito.
  Das amorosas leis,
Com que liga natura os corações,
Andais fugindo (ó Nymphas) na espessura?
Como? E não vos correis
D'haver em vós tão duras condições,
Que possão mais que a próvida natura?
Se vossa formosura{230}