Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/304

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He sobrenatural, não he forçado
Que assi tenha tambem o peito irado:
Antes ao puro Amor, em cuja mão
Os corações estão,
Por vossa gentileza tão formosa
Lhe deveis amorosa condição.
  Amor he hum brando affeito,
Que Deos no mundo poz e a natureza,
Para augmentar as cousas que creou.
De Amor está sugeito
Tudo quanto possue a redondeza:
Nada sem este affecto se gerou.
Por elle conservou
A causa principal o mundo amado,
Donde o pae famulento foi deitado.
As cousas elle as ata e as confórma
Com o mundo, e reforma
A materia. Quem ha que não o veja?
Quanto meu mal deseja sempre fórma.
  Entre as plantas do prado
Não ha machos e femias conhecidas,
Que junto huma da outra permanece?
Não estão carregados
Os ulmeiros das vides retorcidas,
Onde o cacho enforcado amadurece?
Não vêdes que padece
Tanta tristeza a rôla por a morte
Da sua amada e unica consorte?
Pois lá no Olympo, a quantos captivou
Cupido e maltratou?{231}