Página:Obras completas de Luis de Camões II (1843).djvu/356

Wikisource, a biblioteca livre

  Se com m'ouvir, a dor se te allivia,
Eu o direi. Mas eis cá vem Laureno,
Que a cantar vezes mil me desafia.
  Cantando venceo ja Tityro e Almeno:
E eu, inda que sei certo ser vencido,
Apostar a cantar com elle ordeno.
            LAURENO.
  Ergasto, pois o tempo se ha offrecido,
Celebremos amor e formosura,
Emquanto o gado á sombra está acolhido.
            ERGASTO.
  Postoque ja a victoria tens segura,
Não cantarei sem preço, porque saia
Mais ledo quem cantar com mais brandura.
            LAURENO.
  Eu hum vaso porei de lisa faia,
Divina obra de Alceo, que celebrado
Será sempre por claro nesta praia.
  A vide, de que em roda está cercado,
Os roxos cachos cobre; e primor teve
Em pôr no meio a Dama e Pan cansado.
  Parece que a beija-la o deos se atreve,
E que ainda dos beijos mal soffridos
Inclinado lhe foge o tronco leve.
            ERGASTO.
  Outro vaso porei d'hera cingido,
No qual Orpheo das aves esquecidas
E dos suspensos bosques he seguido.
  Não cuido que de faia são sahidas
De tal arte, lavor de tal maneira:{283}